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Entre o Diagnóstico e a Palavra

  • selmapiranicabral
  • 29 de abr.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 15 de mai.


Estudar o texto “Como se diagnostica hoje?”, de Antonio Quinet, publicado em 2001, foi mais do que um exercício acadêmico durante a pós-graduação. Ao mergulhar em suas palavras, percebi o quanto a discussão sobre diagnóstico em saúde mental exige constante revisão — não apenas técnica, mas ética. E, ainda que mais de duas décadas tenham se passado, seguimos reproduzindo práticas que segmentam o sujeito, muitas vezes reduzindo-o a categorias, tal como na medicina tradicional.

Quinet aponta que o discurso dominante na cultura é mutável, e isso reverbera nas formas de manifestação dos sintomas. Ainda assim, as estruturas clínicas formuladas por Freud — neurose, psicose e perversão — permanecem como pilares da psicanálise. Frente a essa constatação, o autor convoca os analistas a não cederem à lógica nosográfica da psiquiatria contemporânea, que, com os sucessivos DSMs, expande e diversifica categorias, muitas vezes rompendo o diálogo com os fundamentos psicanalíticos.

Vivemos um tempo em que a prática médica é cada vez mais atravessada pela lógica do capital, uma lógica que transforma o sofrimento em mercadoria e o sintoma em algo a ser eliminado com urgência. Os manuais diagnósticos oferecem um catálogo extenso, mas, quando desprovidos da escuta clínica e da singularidade do sujeito, tornam-se meros instrumentos classificatórios.

Atualmente, percebe-se uma onda epidêmica de diagnósticos mentais e a medicalização é um sintoma social e cultural decorrente, visto que as relações sociais passam a ser analisadas sob o olhar medicalizante. Diante do mal-estar, rotulamos; diante do sofrimento, silenciamos com fármacos. O diagnóstico deixa de ser ponto de partida e se cristaliza como ponto de chegada.

Talvez a crítica mais contundente do autor esteja endereçada às próprias instituições psicanalíticas, que, ao se afastarem das estruturas clínicas fundamentais, também se distanciam da pergunta central: como o sujeito se posiciona no mundo?

Em tempos de classificações apressadas, é urgente insistirmos em um diagnóstico que vá além do nome e do protocolo, um diagnóstico que escute. Que se construa como processo, e não como sentença. Que considere o lugar do sujeito, seu laço com o Outro, sua relação com o saber e com a linguagem.

Essa reflexão ultrapassa os limites da clínica e interpela também a sociedade como um todo. Afinal, pensar o sintoma não como um erro a ser corrigido, mas como uma forma de expressão de uma história única, é um convite a resistir à tendência contemporânea de silenciar o sujeito por meio de classificações rápidas e intervenções padronizadas. Em vez de apagar a subjetividade em nome de protocolos, talvez devêssemos nos perguntar: estamos dispostos a escutar o mal-estar em sua complexidade? Fazer essa escolha é, mais do que um posicionamento técnico, um gesto ético e profundamente humano.

 

QUINET, A. Como se diagnostica hoje? In: Quinet, A. (org) - Psicanálise e Psiquiatria - controvérsias e convergências. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.


 

 
 
 

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